Início » Memórias de um Piloto Pantaneiro

Memórias de um Piloto Pantaneiro

MEMÓRIAS DE UM PILOTO PANTANEIRO

Paulo Corrêa de Oliveira

Um dos prazeres, que tenho, é ler escritos memorialistas. Muitas vezes, sem intervenção das faculdades intelectuais. Mas, geralmente, com profundos elementos da sensibilidade humana. Deles, às vezes, recebemos pinceladas históricas que abrem caminhos para pesquisas mais rigorosas.

Acabo de ler “Memórias de Um Piloto Pantaneiro” de José Moreira Filho, o veterano piloto Zezinho. Ele rompe com esses conceitos simplistas. Demonstra uma maestria na arte de escrever. É como se estivéssemos numa roda de tereré ouvindo palavras, fluentes e precisas, de um exímio contador de histórias.

 

Capa do livro “Quebrando Protocolo nos Céus do Pantanal: Memórias de um Piloto Pantaneiro”, de José Moreira Filho.

 

Dividiu seu livro (465 páginas) em três partes. A primeira, com base em averiguação, a história da aviação no mundo. A segunda, o início e o desbravamento da aviação em Aquidauana, sua terra natal. E, na terceira parte, seu testemunho como piloto de táxi-aéreo, na zona do Pantanal.

Chama a atenção, no relato, seus grandes amores na vida: seu pai, sua família, seus amigos, sua própria casa, o Pantanal, e, especialmente, seus dois aviões: o BTR e o CKN (que ele os trata como verdadeiros seres vivos).

Seu sonho de voar começa aos cinco anos de idade, 1954, quando leva o gado do seu pai, açougueiro, com seu irmão mais velho, para pastar na região da Lagoa Comprida. Ela fica próxima à pista onde desciam os aviões DC-3 da Cruzeiro do Sul que faziam o trajeto Cuiabá/Rio de Janeiro. No início, só existia uma varanda coberta, à sombra dos ingazeiros, para acolher os passageiros (Em 1961, a prefeitura de Aquidauana constrói o pequeno prédio do aeroporto local, hoje infelizmente demolido. A cidade não faz mais parte de nenhum roteiro aéreo). Zezinho brincava dentro da carcaça de um teco-teco abandonado.

Relata, já como piloto, o sufoco dramático de passar por uma tempestade, perto de Maracaju, e a descida com as últimas gotas de combustível.

Relata momentos de terror que vive por ter deixado a porta da aeronave aberta, devido ao calor, no estacionamento de uma fazenda. No voo, percebe que uma cobra boca de sapo se alojara entre seu pé e o pedal do aparelho. Retorna à fazenda e, com muita calma e precisão, consegue retirar o seu pé, e sair ileso. Os peões da fazenda  removem a intrusa.

Relata que o Prefeito Fernando Lucarelli, em 1970, encarrega, ele e o secretário João Madsen, para encontrarem um ponto no Morro do Paxixí, com brevidade, para instalarem a torre de televisão e os aquidauanenses assistirem aos jogos da Copa do Mundo. Descobrem o ponto, e o local onde o avião poderia pousar em cima do morro. Descem na curta pista, depois ampliada pelo desmatamento. Os materiais para a torre foram levados, amarrados no trem de pouso, e os técnicos, conduzidos e trazidos diariamente pela aeronave. A torre ficou pronta antes da Copa. Para funcionar, os moradores subiam e desciam o morro, a pé, para ligarem e desligarem os geradores.

Hoje, o Morro do Paxixí, em Camisão, possui uma estrada que conduz ao mirante, junto à torre de TV, muito procurada pelos turistas que dela avistam as cercanias do Pantanal. O depoimento do piloto Zezinho contribui, e muito, para a valorização da história desse mirante.

O livro é rico em reflexões, e conceitos, buscando o sentido da vida.

Zezinho não é mais piloto, atualmente é solicitado como guia turístico para o Pantanal.

Como epílogo desta apreciação, eu citaria uma sentença instigante do livro, atribuída a Márcio Brandão:  Somente quem voa é capaz de entender com clareza por que os pássaros cantam.

Zezinho entoa, com seu livro, Memórias de Um Piloto Pantaneiro, um maravilhoso canto de pássaro.

Avalie

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *